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‘A resposta à crise climática vem dos povos da floresta’: caravana percorre 3 mil km para levar lideranças indígenas e ribeirinhas à COP30

'Caravana da Resposta' leva indígenas e ribeirinhos até a COP30 A Amazônia apresenta iniciativas em curso de enfrentamento à crise climática, com foco em p...

‘A resposta à crise climática vem dos povos da floresta’: caravana percorre 3 mil km para levar lideranças indígenas e ribeirinhas à COP30
‘A resposta à crise climática vem dos povos da floresta’: caravana percorre 3 mil km para levar lideranças indígenas e ribeirinhas à COP30 (Foto: Reprodução)

'Caravana da Resposta' leva indígenas e ribeirinhos até a COP30 A Amazônia apresenta iniciativas em curso de enfrentamento à crise climática, com foco em produção agroecológica, proteção territorial e comunicação comunitária. Essas experiências serão levadas a Belém pela Caravana da Resposta, que chega à cidade nesta terça-feira (11), durante a COP30. Ao longo de nove dias e cerca de 3 mil quilômetros por estradas e rios, a caravana reuniu 320 lideranças indígenas, ribeirinhas, quilombolas e agricultores familiares. O grupo apresenta resultados como autodemarcação de territórios, cadeias de sociobiodiversidade e formação de jovens comunicadores, com ênfase em práticas que conciliam conservação ambiental e geração de renda. A travessia começou em 3 de novembro, em Sinop, no Mato Grosso, cidade conhecida como a capital nacional da soja, e refaz a chamada “rota da soja”, corredor de exportação do agronegócio que liga o norte de Mato Grosso ao oeste do Pará. Mas agora a rota é feita, de forma inédita, por uma comitiva de lideranças de movimentos sociais que denunciam os impactos desse modelo de desenvolvimento sobre territórios do Cerrado e da Amazônia, e defendem alternativas baseadas na agroecologia e na proteção da floresta. 📲 Siga o canal do g1 Pará no WhatsApp Veja mais notícias sobre a COP 30 Caravana da resposta: mais de 320 lideranças populares embarcam rumo á COP30 gil Sóter/g1 Pará “Quando se planta soja para exportação, agrava-se a crise climática e a população paga caro por comida com agrotóxicos. Isso afeta todo o povo brasileiro", diz Pedro Charbel, da Aliança Chega de Soja, entidade coordenadora da caravana, que reúne mais de 40 organizações e povos. "Mas não viemos só denunciar, viemos anunciar alternativas. Trazemos alimentos da agroecologia e boas práticas de movimentos sociais. Aproveitamos a jornada até Belém para nos conectar e sair fortalecidos. Nossa luta não começa nem termina na COP: vai muito além. Temos respostas a oferecer: a floresta em pé, a agroecologia, a força dos movimentos sociais e uma infraestrutura pensada para o povo, não para empresas multinacionais”, destaca. Pedro Charbel, da Aliança Chega de Soja, fala sobre o propósito da Caravana da Resposta A caravana pretende dar visibilidade a soluções que já acontecem nos territórios: cadeias de sociobiodiversidade, agroecologia, governança local e formação de novas lideranças. Em Belém, o barco funcionará como cozinha solidária e alojamento coletivo durante a Cúpula dos Povos e a COP30, garantindo presença popular nos debates climáticos. Entre os temas do debate está a Ferrogrão (EF-170), ferrovia planejada para ligar Sinop (MT) a Miritituba (PA), integrando o escoamento de grãos pelo rio Tapajós. Enquanto defensores do empreendimento argumentam que a ferrovia aumentaria a eficiência logística e reduziria custos de transporte, organizações socioambientais afirmam que a obra pode intensificar pressões sobre a floresta e comunidades tradicionais. Defensores do empreendimento argumentam que a ferrovia aumentaria a eficiência logística e reduziria custos de transporte. A Caravana leva essa oposiçãos aos grandes projetos à arena pública durante a COP30. Jornada da caravana da resposta percorre 3 mil km de MT à COP30, em Belém TV Liberal Confira o trajeto de 3 mil km até a COP30 A caravana seguiu por terra de Sinop, no Mato Grosso, até o sudeste do Pará, cruzando o território Kayapó, e parou em Trairão, no sudoeste paraense, para atividades com agricultores familiares e lideranças Munduruku. Em seguida, avançou até Miritituba, distrito portuário de Itaituba, às margens do rio Tapajós, onde realizou ato público. Depois, o grupo seguiu para a Ilha das Ilage, território sagrado do povo Tupinambá, no oeste do Pará, onde ocorreu o Grito Ancestral, ação cultural em defesa dos rios e dos territórios. No dia 8, a comitiva chegou a Santarém, cidade na confluência dos rios Tapajós e Amazonas, e embarcou em um ferryboat de três andares para a etapa fluvial. A partir dali foram cerca de 1.600 quilômetros de navegação até Belém, ao longo de quatro dias em que o barco se transformou em uma aldeia flutuante, com assembleias, rodas de conversa e partilha de alimentos da agricultura familiar. Cacique Gilson, da Aldeia Papagaio, no Tapajós, relata os impactos das mudanças climáticas Respostas que vêm dos povos tradicionais Autodemarcação em defesa do povo Tupinambá À bordo da Caravana, nossa reportagem pode conhecer de perto exemplos vitoriosos de mobilização dos povos da floresta. O cacique Gilson Tupinambá, liderança do Baixo Tapajós, conduziu um processo de autodemarcação do território tradicional de seu povo — área que se sobrepõe à Resex Tapajós-Arapiuns, em Santarém, oeste do Pará. De acordo com o cacique, a decisão surgiu diante da demora e da inação do poder público e da FUNAI, enquanto avançavam pressões do agronegócio, madeireiras e garimpo. Ao demarcar fisicamente os limites, os Tupinambá reivindicam o reconhecimento oficial do território ancestral e a proteção do modo de vida e do meio ambiente, mirando a segurança das próximas gerações. A autodemarcação tornou-se instrumento de pressão legítima e símbolo de resistência garantida pela Constituição. Mesmo com conflitos, ameaças e tentativas de criminalização de lideranças como Gilson, a mobilização segue firme e inspira outros povos: mostra que, diante de processos lentos e judicializados, a organização comunitária pode abrir caminho para a regularização fundiária e manter a pauta da demarcação no centro das prioridades nacionais. Apesar da vitória histórica, a luta do cacique continua diante dos impactos da crise climática. Ele relata que poços e igarapés secaram mesmo sobre o aquífero de Alter do Chão e que a fumaça das queimadas agravou doenças respiratórias. “A água dos poços começou a secar e os rios recuaram quilômetros além do normal”, afirma. “Vamos à COP30 para denunciar e para que nossas lideranças sejam ouvidas e respeitadas.” Francisca Barroso, agricultora familiar a comunidade Santo Antônio, em Trairão, no PA Comida sem agrotóxico que gera renda na floresta Dona Francisca, de Trairão, sudoeste do Pará, lidera uma rede de agroecologia que cultiva sem veneno, troca sementes crioulas e mantém o uso de ervas medicinais e práticas de homeopatia nas comunidades. Nesta viagem, o grupo doou 100 quilos de alimentos livres de agrotóxicos, da própria produção, para alimentar a comitiva e ajudar a abastecer a Cúpula dos Povos. A experiência mostra, na prática, que é possível garantir comida de qualidade e renda local sem depender de insumos químicos. Francisca Barroso é uma das vozes que puxam a retomada da Rede de Agroecologia de Trairão, criada em 2006 por agricultoras e agricultores familiares e fortalecida por organizações sociais do município. Depois de ter reunido quase 400 associados, a Rede encara o pós-pandemia e a ausência de políticas públicas como um desafio e também como motor de reorganização: hoje, quase 50 produtores já estão inscritos, com forte protagonismo das mulheres na mobilização e na coordenação. Desde 2013, a rede abastece o PNAE com 21 agricultores e agricultoras e 28 produtos cadastrados, levando comida de qualidade para as escolas e ocupando conselhos de políticas públicas no município. Na prática, o movimento combina esperança com técnica: articula parcerias para difundir a “homeopatia da terra”, reduzindo o uso de agrotóxicos e impulsionando a produção agroecológica. A nova Rede Agroecológica do Município do Trairão ampliou o alcance para comunidades da BR-163 e já promoveu ações de comercialização solidária, como a distribuição de 300 cestas de 19 kg, aproximando campo e cidade. Os resultados aparecem no cotidiano: famílias que migraram do veneno para o manejo agroecológico viram a renda crescer, com casos de produtores que chegam a faturar R$ 700 por dia com hortaliças orgânicas. É um exemplo vivo de organização comunitária que reergue circuitos locais de comercialização e afirma a agricultura familiar como caminho de saúde, renda e soberania alimentar. “Na nossa região, o calor aumentou muito, ao mesmo tempo, começou a ter muiro raio. Um vizinho nosso morreu ao ser atingido. A natureza está diferente, e isso tudo impacta no plantio e na colheita, prejudicou muito”, lamenta. “Mas também apontamos uma repsosta, que é trabalhar sem veneno para cuidar da terra e da saúde”, destaca. Cinema como resistência Entre os jovens, Bepmoroi Metuktire, do povo Kayapó, transforma o audiovisual em ferramenta de defesa cultural. Cineasta e comunicador, ele atua na linha de frente da defesa de seu território, a Terra Indígena Capoto/Jarina, no Mato Grosso. Chefe de esquadrão da brigada local, ele também participa de ações de prevenção e combate a incêndios, unindo o conhecimento tradicional de seu povo com práticas modernas de proteção ambiental. Sua atuação combina arte, comunicação e resistência, inspirando outros jovens indígenas a ocuparem espaços de fala e decisão. Integrante da Rede Xingu+ e do Coletivo Beture de cineastas Mebêngôkre, Bepmoroi usa o audiovisual como ferramenta de memória e denúncia, registrando o cotidiano e as lutas de sua comunidade. Também colabora com o Instituto Raoni, liderado por seu parente e referência mundial, o cacique Raoni Metuktire. Em eventos como a COP30, ele leva a visão dos Kayapó sobre o clima e a floresta, reforçando que o futuro da Amazônia passa pela escuta das juventudes indígenas — herdeiras e guardiãs da sabedoria ancestral. Ele também aponta os efeitos do desmatamento nas nascentes e nas roças, e vê na formação de jovens comunicadores uma forma concreta de resistência e preservação. “A gente tem voz e capacidade de lutar”, diz. “Daqui para frente, nós, jovens, estaremos na linha de frente para que esse sofrimento não continue.” Bepmoroi Metuktire, jovem liderança indígena do povo Kayapó VÍDEOS com as principais notícias do Pará